16.4.10
Israel Pimenta / Othello
“Portugal Tranquilo”
(Dissertação sobre Portugal, o país, os que o rodeiam, o seu estado, a democracia, o Estado, o seu estado na Europa, a Europa, e palavra de honra,o final feliz. E ainda, o folclore, a dor e o fado.)
HD vídeo transferido para DVD PAL / PB Loop. Duração 13’
“E, no geral, Watt preferia ter de lidar com coisas de que não sabia o nome, embora também isso lhe fosse penoso, a ter que lidar com coisas cujo nome, o nome comprovado, já deixara de ser o nome delas, para ele”.
Beckett, S. (1945; published 1953). Watt. Paris: Olympia Press; tradução de Resende, M.(2005). Lisboa: Assírio & Alvim
Poderíamos (conseguimos?) olhar para a instalação Portugal Tranquilo, de Israel Pimenta, com o mesmo fascínio com que Robert Hooke observava, pela primeira vez, através das lentes do seu microscópio, as pequenas unidades que iam formar o fragmento da cortiça (será um caso?), que estava a estudar e às quais deu o nome de células.
A peça Portugal Tranquilo ocupa a montra da loja Casa Othelo. Com toda a sua mercadoria bem exposta, surge na secção central, circular (quase uma ampliação de uma lupa no pano de vidro horizontal) o fantasma de um altifalante a tocar. Mas não conseguimos ouvir qualquer som…
Como Lorraine Daston e Katherine Park têm demonstrado em Wonders and the Order of Nature, 1150-1750, a noção de facto científico desenvolveu-se no século XVII à volta do debate filosófico dos "casos estranhos» e das «maravilhas». Quando, em 1665, Hooke publicou os resultados das suas observações no livro Micrographia, não conseguiu escapar a quem refutava esta retórica da maravilha, objectando que a inovação técnica só poderia conduzir a uma deformação do real: com o uso de um microscópio o cientista só poderia ver monstruosidades.
O que é que estamos então a ver na Casa Othelo? E a ouvir? É a maravilha ou o monstruoso?
Será possível contar a nossa história bordando panos de linho e pintando cerâmicas ou deveríamos considerar estes objectos como simples resíduos ancestrais bons para os turistas das low-cost?
E quando o arqueólogo encontrar os fragmentos do Galo de Barcelos ao lado dos da Playstation®, será capaz de reconstruir o arquétipo da nossa sociedade?
O que parece certo em Portugal Tranquilo, já a partir do extenso título, é a possibilidade de deduzir (nem que fosse num modelo teórico) a existência de uma progenitura comum através da comparação dos objectos, mesmo quando estes estão filogeneticamente tão afastados.
O importante é que o altifalante continue a tocar.
Lucio Magri 04, 2010
Bio
Nasceu em Oliveira de Azeméis em 1972.
Vive e trabalha no Porto.
“Portugal Tranquilo”
(Dissertação sobre Portugal, o país, os que o rodeiam, o seu estado, a democracia, o Estado, o seu estado na Europa, a Europa, e palavra de honra,o final feliz. E ainda, o folclore, a dor e o fado.)
HD vídeo transferido para DVD PAL / PB Loop. Duração 13’
“E, no geral, Watt preferia ter de lidar com coisas de que não sabia o nome, embora também isso lhe fosse penoso, a ter que lidar com coisas cujo nome, o nome comprovado, já deixara de ser o nome delas, para ele”.
Beckett, S. (1945; published 1953). Watt. Paris: Olympia Press; tradução de Resende, M.(2005). Lisboa: Assírio & Alvim
Poderíamos (conseguimos?) olhar para a instalação Portugal Tranquilo, de Israel Pimenta, com o mesmo fascínio com que Robert Hooke observava, pela primeira vez, através das lentes do seu microscópio, as pequenas unidades que iam formar o fragmento da cortiça (será um caso?), que estava a estudar e às quais deu o nome de células.
A peça Portugal Tranquilo ocupa a montra da loja Casa Othelo. Com toda a sua mercadoria bem exposta, surge na secção central, circular (quase uma ampliação de uma lupa no pano de vidro horizontal) o fantasma de um altifalante a tocar. Mas não conseguimos ouvir qualquer som…
Como Lorraine Daston e Katherine Park têm demonstrado em Wonders and the Order of Nature, 1150-1750, a noção de facto científico desenvolveu-se no século XVII à volta do debate filosófico dos "casos estranhos» e das «maravilhas». Quando, em 1665, Hooke publicou os resultados das suas observações no livro Micrographia, não conseguiu escapar a quem refutava esta retórica da maravilha, objectando que a inovação técnica só poderia conduzir a uma deformação do real: com o uso de um microscópio o cientista só poderia ver monstruosidades.
O que é que estamos então a ver na Casa Othelo? E a ouvir? É a maravilha ou o monstruoso?
Será possível contar a nossa história bordando panos de linho e pintando cerâmicas ou deveríamos considerar estes objectos como simples resíduos ancestrais bons para os turistas das low-cost?
E quando o arqueólogo encontrar os fragmentos do Galo de Barcelos ao lado dos da Playstation®, será capaz de reconstruir o arquétipo da nossa sociedade?
O que parece certo em Portugal Tranquilo, já a partir do extenso título, é a possibilidade de deduzir (nem que fosse num modelo teórico) a existência de uma progenitura comum através da comparação dos objectos, mesmo quando estes estão filogeneticamente tão afastados.
O importante é que o altifalante continue a tocar.
Lucio Magri 04, 2010
Bio
Nasceu em Oliveira de Azeméis em 1972.
Vive e trabalha no Porto.
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